Entrevista publicada pelo site jazzportugal em 10/07/2006
José Duarte/ há quanto tempo anda com o jazz?
Vânia Fernandes/ando com o jazz desde que ouvi na rádPrince Lasha Sonny Simmonsio uma gravacão da Ella Fitzgerald sobre o tema "Summertime", fiquei logo cativada pela sonoridade e pela interpretacao da referida senhora. Desde aí tentei ouvir e procurar o máximo de música jazz, depois por uma sorte fui convidada a integrar um grupo de jazz madeirense chamado "Oficina", desde aí, sensivelmente desde o outono de 2004, comecei a cantar jazz e aprender o máximo que conseguia com ajuda dos maravilhosos músicos que encontrei pelo caminho.
JD/ canta blues?
VF/sempre que tenho essa oportunidade há vários tipos de blues mas adoro todas as suas sonoridades, desde o blues da grande Bessie Smith ou do B B King ao blues do bebop, desde que seja experienciado com devoção e respeito, é sempre muito bom cantar um blues.
JD/ tem a chamada educação musical?
VF/a verdadeira educação musical para mim está nos discos com as grandes lendas da música, mas se refere-se a estudos académicos, este ano frequento o último ano do curso profissional de instrumento, no meu caso de canto, do Conservatório- Escola profissional das artes da Madeira, e também o curso de jazz da mesma instituicão. Frequento este curso que se traduz num protocolo entre conservatório e Hot Clube - Escola de jazz Luiz Villas Boas e que oferece desta maneira aos estudantes madeirenses uma aproximacao aos jazzistas de mais alto nivel nacional. Parar de aprender é morrer! Estou a fazer por ter alguma educacão musical.
JD/ é da Madeira? tem importância na sua vida musical?
VF/sou da Madeira, e é claro que o facto de ser Madeirense traduz-se em tudo o que faco e tudo o que tento fazer.. Costumo dizer que sou uma cidadã do Mundo, e gosto desta oportunidade que hoje temos de viajar e tirar todo o proveito deste intercâmbio cultural, fruto da globalizacão, mas ser madeirense é algo que estará sempre comigo.O que aprendo todos os dias como madeirense, com os músicos que tenho a oportunidade de trabalhar na ilha, é unico. Sou muito sortuda pelo encaminhamento das coisas, é uma verdadeira sorte nascer numa ilha daquelas, tão bonita e com música em todo o lado, e hoje que o jazz também anda pela Madeira mais que nunca, oferece incondicionalmente música feita por profissionais com uma qualidade íncrivel. Sempre fui muito sortuda, isso é verdade, os meus colegas Madeirenses sempre me apoiaram tanto que agora só quero retribuir tal afectividade e confianca com o melhor de mim e competência, devo-lhes isso.
JD/ por quais instrumentos prefere ser acompanhada?
VF/não gosto da nocão de ser acompanhada, gosto de pensar que tocamos em grupo, uns com os outros, uns para os outros, desde que a música se faca, com honestidade, quaiquer que sejam os instrumentos vao soar bem e me encher as medidas concerteza.
JD/ qual é o seu reportório?
VF/o meu repertório está sempre em crescimento, quero sempre aprender novas coisas e isso também é fruto das novas experiencias com diferentes músicos, todos têm algo seu a tocar e procuramos sempre o que mais tem a ver com cada qual. Suponho que neste momento o que tenho feito mais é dentro do chamado Real Book americano e dentro da bossa nova, ou seja dentro do mundo dos standards e companhias.
JD/ tem possibilidades de gravar um cd? com quem a tocar?
VF/sou uma pessoa de palco, gosto mesmo é de cantar ao vivo mas se surgisse uma oportunidade para gravar provavelmente seria com Vânia Fernandes e Júlio Resende quarteto, que é o grupo com o qual tenho trabalhado em Lisboa, são músicos realmente muito bons, é uma honra trabalhar com eles.
JD/ que opinião tem sobre Cassandra Wilson?
VF/muito boa opinião, gosto muito da sua maneira de fazer música, é sempre bom ouvir os seus discos por ter tanta música condensada, tantos sons, tantos estilos.
JD/ prefere temas de jazz ou standards?
VF/os dois, desde que sejam interessantes e com melodias realmente bonitas, gosto sempre.
JD/como recebeu o convite para participar na Orquestra de Jazz da União Europeia com músicos da Alemanha, Portugal, Eslovénia?
VF/fiquei em euforia naturalmente! tinha feito a audicão em Novembro e já tinha perdido a esperanca de ser chamada na realidade, quando li o e-mail a dizer que tinha entrado, primeiro pensei se o e-mail era realmente para mim e depois fiquei apavorada quando percebi a responsabilidade e a honra. Fiquei acima de tudo com muita vontade de trabalhar para sentir que realmente merecia tal oportunidade.
JD/ já cantou em algum Festival português de jazz?
VF/já fui ao Angrajazz em 2005, tive a oportunidade de ir cantar com a orquestra de jazz do Funchal, foi uma experiência única.
JD/ e em clubes? quais entre os principais lhe falta ir?
VF/na Madeira já tive em vários, destaco o ‘Chega de Saudade', o ‘Café do Teatro', o ‘Kelt´s' e o Clube Naval do Seixal. Estes devem ser alguns dos clubes que mais estão a apostar no jazz (tirando claro as unidades hoteleiras Reid´s - onde actuo regularmente com os "Swing Feel Quartet" e o grupo Pestana - com o trio Ricardo Dias que tem contribuído em muito para o nível jazzístico Madeirense). Em Lisboa tive no Ondajazz, no Bjazz e estarei em Marco no Hot Clube, sou uma sortuda de poder ter estado nestes clubes, tão bem acompanhada com os meus amigos e colegas músicos. É óbvio que ainda me falta conhecer muitos outros clubes, aguardo o convite!
JD/ qual é seu cantor de jazz favorito? porquê?
VF/ ui,ui... a Trindade Divina...Billie Holiday, Ella Fitzgerald e Sarah Vaughan. São aquilo que chamo: cantor-exemplo, é claro que há muitas mais e actualmente a Luciana Souza, a Fay Claasen, Dianne Reeves, Kurt Elling, têm me fascinado muito com os seus estilos individuais, mas a grande "Diva" para mim, por sentir que é a mais completa, quer a nível interpretativo como a nível técnico, a nível musical e de improvisacão é a Ella Fitzgerald. Também é com o seu estilo que mais me identifico.
JD/ educa a sua presença física em palco?
VF/suponho que a presenca em geral tem de ser algo natural e intuitivo. Deixarmo-nos voar no palco.
JD/ e os seus temas favoritos quais são?
VF/são tantos, gosto de tanta coisa... Jobim, Gershwin, Weill, Rodgers and Hart, Edu Lobo, Mário Laginha, Brad Mehldau...desde que seja bom, fica connosco.
JD/ os euros que ganha a cantar chegam-lhe para viver? viver bem?
VF/e o que é viver bem? Actualmente ainda não vivo por minha conta, vivo com os meus pais e isso é uma grande ajuda. Ainda não vivo exclusivamente do jazz embora seja esse o meu objectivo, futuramente só gostava de ter os euros suficientes para ter uma vida bem modesta, não preciso de muito, só o suficiente. Desde que estivesse a fazer boa música com pessoas e para as pessoas, para mim não é preciso muito mais. Apartamento pago, refeição na mesa e o resto é música, é o que toda a gente quer, não é? viver bem.
JD/ pratica scat? como aprendeu?
VF/a improvisacão sem dúvida é o que mais me fascina no jazz, a liberdade de "compôr em tempo real" como o grande Pedro Moreira um dia disse. O scat é a linguagem de improvisacão do cantor, embora esta também esteja na maneira como interpretamos o tema, o scat para mim é muito importante, gosto da sua tradicão, não é algo que nem de longe tenha adquirido, tenho de ouvir muito "os grandes" a fazerem grandes solos para apanhar a linguagem. Tenho muito que estudar e aprender, como todos os restantes músicos, esta linguagem é igual para todos o que muda são as especificidades de cada instrumento.
JD/ e ao improvisar 'afasta-se' muito do tema ou só o parafraseia?
VF/tento partir do tema e desenvolvê-lo, só o momento pode sugerir, é uma questão de sentir o solo crescer.
JD/ acha que se pode cantar jazz em português?
VF/o português é uma língua bonita, com muitos sons. Porque não? Desde que seja bem feito, vale tudo.
JD/ que tal é o ambiente entre os músicos portugueses de jazz?
VF/os que conheco que são maioritariamente do Funchal e do Hot Clube- professores e alunos, são de todo incriveis artistas e pessoas , o que faz um ambiente óptimo. Também sou muito nova nestas andancas, mas sinto muito apoio por parte de todos, muita inter-ajuda e cooperação, isto é um ambiente saudável, pelo menos do meu ponto de vista.
JD/ com quem a acompanhá-la mais vezes cantou? porquê?
VF/tenho a sorte de fazer música com muito boa gente, no Funchal sublinho os ‘Blended Jazz', um projecto com Ricardo Dias, Ricardo Goncalves, Caio Oliveira e Rafael Andrade, ‘Swing Feel Quartet', Adler Pereira, Ivo Baptista, João Sousa, Paulo Correia, André Santos, Humberto Fournier são algumas das pessoas com quem mais canto jazz no Funchal. Todos grandes músicos e amigos. Em Lisboa tenho o meu braço direito, meu companheiro musical Júlio Resende, com quem tenho partilhado algumas das minhas mais bonitas experiências musicais. Temos trabalhado com Hugo Antunes, João Custódio, Alexandre Frazão, João Rijo e Jorge Moniz.
JD/ apareceram recentemente várias mulheres a cantar jazz em Portugal - como lhes parecem? destaca alguma?
VF/ainda bem que está a surgir tanta música é caso para dizer! Bem hajam a todas essas bonitas vozes que andam por aí a espalhar música. Desde que seja com qualidade é tudo uma mais valia para a música. Paula Oliveira, se calhar é a que mais oico, tem uma experiência e uma maturidade singular e isso ouve-se na sua voz. Maria joão sempre foi uma referência a ouvir, a voz cristalina de Joana Machado sempre me impressiona também. Ouvi alguns albúns recentes, como o de Marta Hugon e também gostei muito, que bom haver tanta coisa nova!
JD/ esteve em Helsínquia recentemente a estudar?
VF/sim, estive nas últimas 3 semanas pela neve a fazer um intercâmbio englobado num projecto chamado Leonardo Da Vinci, em que básicamente existem trocas de alunos entre vários conservatórios da União Europeia durante 3 semanas. Foi uma experiência única, em que aprendi muito não só a nível de canto, técnica e interpretacao, como também a nível cultural. Realmente a música supera as fronteiras!
JD/ quais os seus planos para o futuro?
VF/cantar, estudar, aprender, fazer música com e para os meus colegas e amigos, sempre de maneira honesta e verdadeira. Quero apenas me superar, encontrar sempre o melhor de mim e dar.